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Um pouco do Corpo Seco para o seu “Dia das Bruxas”

Com o dia das bruxas chegando saboreie aqui uma das memórias do José Déia sobre o ilustre Corpo Seco de Paraibuna.
Assista também Phil Zr e sua música autoral sobre o Corpo Seco e uma animação sobre o bicho ruim. Quer ver mais um pouco do José Déia? Pesquise pelo nome no site www.chaocaipira.org.br

Corpo Seco

Morava na Rua da Bica, nos anos quarenta do século passado, um cabeleireiro, na época era chamado de barbeiro, com o nome de Seu Elpídio, especialista em cortar cabelo de garotos. Era famoso por contar histórias enquanto cortava os cabelos, por esse motivo era o preferido da criançada. Entre as histórias, a mais pedida era do Corpo-Seco. Segundo ele, no passado, chegaram ao município muitas famílias, com direito a glebas imensas de terras para serem exploradas e cultivadas, famílias que se tornaram importantíssimas, como a Família Camargo, Calazans, a do Coronel Martins, Coronel Marcelino, Barreto e muitas outras.

Entre os colonizadores, alguns fazendeiros ficaram famosos pelos maus tratos e castigos severos para com os escravos. Aqueles que tentavam fugir da fazenda ficavam marcados com o corte de membros do corpo, como um dedo da mão ou do pé. Alguns eram até amarrados com uma pedra no pescoço e jogados no lago para morrerem afogados. Por essas e outras, alguns fazendeiros eram tão ruins que não morriam, viravam corpo-seco.

Os garotos, quando iam cortar cabelo, tinham como a primeira pergunta uma curiosidade: “É verdade que o senhor já cortou cabelo de corpo-seco?” É, sim, respondia seu Elpídio, já cortei e muito. E continuava. Tem uma fazenda, não muito longe, que o fazendeiro era tão mau que não morreu, secou, virou corpo-seco. Já com mais de cem anos, estava cada vez mais seco e não morria. Eu cortei as unhas e o cabelo dele por muito tempo. Ele ficava num ranchinho no fundo da fazenda e um escravo tomava conta dele. Como o escravo já estava bem acabado, idoso, sem condições de continuar tomando conta do fenômeno, e o corpo já estava muito seco e já não comia e nem bebia mais, sem saber o que fazer, resolveram levá-lo para o ponto mais alto de um morro, que ficou conhecido como “Morro do Corpo-Seco”. Lá ficou, segundo a lenda, até hoje.

No local teria crescido um espinhal e ninguém mais poderia chegar lá. O Morro do Corpo-Seco tinha uma mata bem fechada e com muitos pés de brejaúva, que produziam um cacho grande de um fruto da família do coco, muito usado para fazer pião sonoro, uma “coqueluche” da garotada. Os mais ousados fugiam de suas casas para colherem os cachos da fruta, num local até certo ponto muito perigoso. As mães, preocupadas, alertavam seus filhos: Cuidado, aquele é o Morro do Corpo-Seco, ele vai pegar você!

Isso foi até l946 ou 1947, um ano que chovia muito e aconteceu uma grande enchente no Rio Paraibuna, provocando um deslizamento de terra e uma boa parte da mata desapareceu. Mais tarde, já na década de setenta, com o término da construção das barragens do Rio Paraibuna e Paraitinga, o trajeto da Rodovia dos Tamoios foi mudado e o morro foi totalmente cortado, sobrando muito pouco da mata, e a lenda quase que acabou. O Morro do Corpo-Seco também já foi chamado Morro Trincado e hoje é conhecido como Morro da Televisão.

José Déia