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A RECEITA PASSO A PASSO

Tropeiros moldaram o Brasil e nossos pratos

A formação da comida típica paulista foi influenciada pela chegada dos europeus e dos negros que, juntamente com os indígenas, criaram parte dos pratos nacionais. Com o passar do tempo, as receitas foram se modificando, em alguns casos para melhor, em outros, sofrendo com a perda da tradição, mas sempre com suas características principais: o sabor e a simplicidade.
A presença de diversos povos colaborou com a variação das combinações entre a mandioca, o milho, a cana-de-açúcar e a carne de porco. Mas a questão é: como esses sabores viajaram de norte a sul há quatro séculos? Eram levados pelos tropeiros, que naquele tempo viajavam no meio das matas por necessidade de transporte de cargas.
Graças ao comércio de produtos da Europa, a condução do ouro de Minas Gerais para os portos e, posteriormente, o ciclo do café, a tropa se tornou um transporte vital para a economia. Sua importância pode ser vista através dos dados do Porto de Ubatuba, que revelam que pelo menos dois mil animais chegavam diariamente, transportando café por volta de 1860.
Graças a essas várias viagens, os tropeiros levaram suas receitas pelo Brasil todo, acrescentando características de todos os cantos. Parte dos viajantes plantava, de trecho em trecho, alimentos que poderiam ser colhidos em três meses. Para isso, um grupo menor ficava para trás esperando para fazer a colheita e depois seguir a comitiva ou, em outros casos, esse grupo ia à frente e esperava o resto com a comida já colhida.
Os tropeiros contribuíram também, indiretamente, para a formação de nossas cidades. Por caminharem apenas uma média de 24 km por jornada ou por dia, em suas paradas, surgiam ranchos com os atendimentos necessários, que depois se transformavam em vilas e cidades, com uma média de distância de 25 km entre si.
Durante o ciclo do ouro, a comida se tornou um tanto valiosa, pois muitas pessoas se deslocaram para as minas, tornando a agropecuária local escassa. Então, chegaram os tropeiros transportando tudo o que fosse possível e lucrando até quatro vezes mais o valor do produto em São Paulo. Parte dessa mercadoria toda vinha do Vale do Paraíba, tornando as pessoas deste lugar responsáveis pela formação de várias cidades do Sul de Minas Gerais.
Estudiosos da alimentação do Brasil consideram que a comida mineira é um desdobramento da que foi levada de São Paulo, sofrendo algumas modificações, levando em consideração o fato de que, quando Minas se expandiu, as regiões paulistas já eram movimentadas há pelo menos 200 anos.
Não podemos negar que o tropeiro misturou sabores do país todo, espalhou essa comida típica por toda a extensão do Brasil e formou, assim, a base da alimentação brasileira durante muitos séculos.

Cheiro verde e cebola picadinhos e alho amassado
Carne seca cozida desfiada e bacon picadinho e frito
Linguiça calabresa picadinha e fritaFeijão cozido em ponto firme

Depois de fritar o feijão com os ingredientes, adicionar um pouco de caldo do próprio feijão
Deixe ferver
Na hora de servir coloque farinha de milho e deixe em ponto de papa

Frangão na panela


Sempre foi a principal carne presente na mesa dos brasileiros. Desde que chegou com os europeus, foi adotada até pelos índios, os quais, até então, tinham suas aves pra comer, mas tudo muito arisco. Virou prato nacional, sendo servido de muitas maneiras, e os ovos são ingredientes importantes na receita de um bolo.
O frango, que inicialmente era preparado somente refogado na panela, ganhou o arroz vermelho, formando novo prato. Ganhou mandioca, verduras, ora-pro-nóbis, milho, quiabo e farinhas. As velhas viraram a tradicional galinhada, cuja receita correta tem que ser feita com galinha velha mesmo, aquelas que acabaram de botar e, o principal, fazê-las com as ovas restantes pré-cozidas e depois mistura-las ao arroz.
Atualmente os cozinheiros nem sabem mais quantos pedaços tem o frango, pois tudo vem cortado. Na infância de muita gente e, até hoje, na zona rural tinha uma brincadeira muito curiosa, que era retirar o ossinho chamado de joagador. Deixa-se um pouco na chapa do fogão até secar. Depois cada um pegava um perninha e puxava, com ficasse a cabeça ganhava o jogo . Mas até esse pedaço sumiu, pois vem junto com o peito.
Tinha ainda o mexido de frango, feito com os miúdos e até as tripas limpas e secas. Fritava-se temperado e depois ia farinha de milho ou de mandioca. O costume era comer com café. 
Na região da Serra da Bocaina, no Vale do Paraíba Paulista, é preparado inteiro e frito em gordura. É usado principalmente em festas religiosas ou aniversários.

SURUBIM: O PEIXE DE NOSSA SENHORA APARECIDA


SURUBIM SUMIU

O atual lendário Rio Paraíba do Sul viveu centenas de anos com outro nome. Foi só os invasores chegarem e a cobiça indígena se instalou na região. Tribos se guerrearam e aniquilaram os naturais da região do Vale do Paraíba. Silvícolas chamavam esse rio de o Rio do Sorobis, devido ao peixe que aqui tinha em profusão: o Sorobis, hoje conhecido como Surubim do Paraíba e que está em extinção.
O rio era assim chamado devido a esse peixe ser o maior do lugar, chegando a pesar até 15 quilos, e, sendo peixe de couro, era mais fácil comer assado na trempe, além de render muito mais.
Em 1601, o naturalista Guilherme Glimmer, em sua passagem pelo Vale do Paraíba, mencionou que o rio se chamava Sorobis, devido ao peixe existente em suas águas.
Nos últimos dez anos, pesquisadores da CESP, Centrais Elétricas de São Paulo, vêm pesquisando o peixe na Estação de Piscicultura de Paraibuna. O objetivo é reproduzir a espécie para soltura nos rios Paraíba do Sul, Paraibuna e Paraitinga.
O PEIXE
Segundo o biólogo Danilo Caneppeli, da CESP, o denominado cientificamente Steindachneridion parahybae é um bagre que pertence à ordem dos Siluriformes, família Pimelodidae. Tem corpo achatado, com o dorso escuro marcado por manchas pequenas e alongadas, seus olhos são pequenos devido à predominância de atividade noturna e sua percepção do ambiente é auxiliada pela presença de barbilhões Endêmico da bacia do rio Paraíba do Sul e com biologia pouco conhecida, sua ocorrência natural é descrita normalmente associada a poções não muito profundos e a áreas intermediárias como os remansos do domínio das ilhas fluviais e os encontros de rios, porém, recentes capturas foram realizadas em meio à corredeiras, remansos profundos acima de cachoeiras e no período noturno em regiões mais rasas do rio, provavelmente quando saem em busca de alimento.
SURUBIM O PEIXE ABENÇOADO
O que o surubim teve a ver com Nossa Senhora Aparecida?
Em meados de 1717, Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal, futuro Conde de Assumar e governador das províncias de São Paulo e Minas Gerais, fez uma viagem de Lisboa à Vila de Nossa Senhora do Carmo (atual Mariana). No caminho, estava a Vila de Guaratinguetá, que depois foi fatiada em várias cidades, entre elas Aparecida do Norte.
Pois bem, quando chegou a notícia, para os lados de Aparecida, de que o Conde de Assumar passaria ali, três pescadores – Domingos Garcia, Filipe Pedroso e João Alves – foram convocados a sair em busca de peixes no Rio Paraíba para um banquete que seria oferecido ao conde.
Passaram horas e horas pescando, mas peixe que é bom não aparecia. Até que João Alves lançou a rede e pescou a imagem de Nossa Senhora da Conceição… Sem sua cabeça. Jogou novamente a rede no rio e apanhou a parte que faltava da santa. A partir de então, como um milagre, quase que não tinha mais lugar na rede para a quantidade de peixes que se enroscava nela.
Ao conde foi oferecido, enfim, um banquete. O peixe? Ah, sim, reza a lenda que o peixe era o surubim. A santa? Em 1929, Nossa Senhora Aparecida foi proclamada “Padroeira do Brasil” por determinação do Papa Pio XI.
A viagem do Conde de Assumar foi registrada em um diário, publicado no livro Um Comerciante do Século XVIII, de Maria José Tavora e Rubem Queiroz Cobra.
Um trecho do livro tem o seguinte texto
“(…) Tivemos a fortuna de tirar um pouco de peixe, que comemos cozido com água, sem azeite nem vinagre, porque não havia” – numa praia, nas imediações de Guaratinguetá.

COM A BOCA CHEIA DE FORMIGA

Chega o mês de outubro, e muitos moradores das pequenas cidades do Vale começam a ficar apreensivos. Alguns olham pro céu em busca de alguma novidade. Outros perguntam sorrateiramente para alguém que chegou da roça: – E aí compadre, nada? Nada, responde o outro.
Mas é só dar uma boa chuva, trovejar e virar um mormaço, que todos cantam em coro: é hoje pessoal! Caldeirão na mão, bacia, água, bota de borracha e luva.
Armado com tudo isso, muitos moradores vão direto pro formigueiro mais próximo. A festa da içá vai começar. Se não sai de manhã, na turma das 10h, sai com certeza na turma da tarde, a partir das 14 horas.
Alguns dias antes, todos ficam a observar o formigueiro fervendo de formigas. Elas ficam vigiando e não deixam ninguém sair sem ordem. Se voltar a chover ou fizer vento, nada feito.
Quando elas determinam que tudo tá certo, empurram primeiro os sabitus, que são os machos, os quais rapidamente saem a voar. Depois autorizam a saída das içás, fazendo, juntas, um zumbido de mistura de sons do bater das asas. Procuram um local mais alto e alçam voo. Logo, estão caindo em todo canto, depois de se acasalarem com os machos, que morrem no ato. Mas isso ninguém consegue ver, pois acontece a muitos metros de altitude.
Quando elas caem, procuram cortar as asas e fazer um buraco pra criar um novo formigueiro. Mas aí vem a natureza, com os pássaros comendo boa parte e o povo pegando essa iguaria, considerada por Monteiro Lobato uma manteiga de flander. Já pensou se nada disso acontecesse? O mundo seria um formigueiro só!
FOTOS
1- As sabitús vigiando a saída
2-As içás saindo
3-Preparando-se para o vôo
4-O vôo
5-Içá cortando as asas
6- A caça
7- Içás capturados
8-Limpeza, deixando só a bundinha
9-Fritando
10- Com farinha
11-Içá pronta